sábado, 31 de dezembro de 2011

RECEITA DE ANO NOVO
(Carlos Drummond de Andrade)

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Recados para Orkut


sábado, 24 de dezembro de 2011

CORDEL AO ESPÍRITO NATALINO
(Joésio Menezes)

“Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel”
E que todos, quando morrêssemos,
Iríamos morar no Céu,
Mas como anda a humanidade
Sem o espírito de fraternidade
Será difícil esse laurel.

Será difícil, também,
Conseguirmos a Salvação,
Pois o homem, ambicioso,
Não tem Cristo no coração...
Não tem espírito de gente
Nem amor o suficiente
Para doar a um irmão.

Não tem ele discernimento
Do que é certo ou errado,
Tampouco conhece a história
Do Jesus crucificado
Que deu sua própria vida
Por essa gente desmerecida
Desse Seu nobre legado.

Imolado numa cruz
Ele morreu para nos salvar
Da ira do próprio homem
Que não se cansa de pensar
Que é um ser onisciente,
Soberano, onipotente
E incapaz de errar...

Mas inda resta a esperança
De que a humanidade
Possa abrir seu coração
E, com sobriedade,
Conheça a história de Jesus
Que, morto numa cruz,
Nos amou de verdade.

E essa tal esperança
Nos chega com o Natal,
Tempo de fraternidade,
Festa sem outra igual,
Pois nesse dia o Salvador,
Filho do Criador,
Nasceu livre de todo o mal,

Inclusive do pecado
Que consome o ser humano
Que o faz pensar somente
No poder sobre-humano
De dominar o mundo,
Sentimento oriundo
De um coração tirano.

Mas o espírito natalino
Renova as emoções,
Traz de volta o amor
Aos nossos corações;
Nos enche de alegria,
Nos alimenta a fantasia
De sermos os guardiões

Daquele amor infinito
Que Jesus de Nazaré
Demonstrou pelo homem
Tão necessitado de fé
E muito carente de amor,
Mas cheio de rancor
Tenho certeza que é.

Tenho certeza, ainda,
Que o homem sem Jesus
Não consegue enxergar
Sem o clarão da luz
Que ilumina o caminho
Dos que pensam estar sozinhos
Carregando sua cruz.

Ache essas e outras imagens no site Mensagens & Imagens

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

QUERO
(Carlos Drummond de Andrade)

Quero que todos os dias do ano,
todos os dias da vida,
de meia em meia hora,
de 5 em 5 minutos,
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas, que me amas, que me amas...
Do contrário evapora-se a amação,
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes, apagas teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto, isto sempre,
isto cada vez mais.

Quero ser amado por e em tua palavra,
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra e na sua emissão,
amor saltando da língua nacional,
amor feito som vibração espacial.

No momento em que não me dizes:Eu te amo,
inexoravelmente sei que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres, urgente, repetido
Eu te amo, amo, amo, amo, amo...
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

CANÇÃO DA GAROA
(Mário Quintana)

Em cima do telhado
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater:
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.

E chove sem saber o porquê
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin...

domingo, 4 de dezembro de 2011

DONA DA SAUDADE
(Efigênia Coutinho)


Do céu glacial respinga orvalho
Que ao luar, em gotas de amores,
Nas pétalas fazem seu agasalho
Dando vida e umidade às flores!

O luar passeia beijando o mundo,
Acariciado na sinfonia do vento
Derrama sua prata em solo fecundo,
E ao coração embala sonho luarento!


Mais existem seres pela madrugada
Que perambulantes e desalmados,
Perturbam sonhos em torpe cilada
Deixando os devaneios sepultados!

E eu abraço esta dor da saudade,
Que se quebra em relembranças
Das sombras do que foi a realidade,
Já perdida no ar das toscas mudanças!

Deixo meu rosto aqui no teu altar,
Coberto do amor que você não mereceu.
E nos meus olhos você vai poder olhar
Só não saberá dizer qual de nós morreu!

Com o coração assim desencantado,
Adormeço na saudade de outras alvoradas,
Com o sentimento ferido e enganado
Revivo para sentir emoções renovadas !

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

NA MESA DUM BAR
(Wálteno Marques)

- Ao querido irmão, para uma breve reflexão -

Na mesa dum bar rolam altas conversas,
cenário de desabafos de homens sofridos,
entre um copo e outro na goela aperta
a voz sufocada de alguém preterido.

Na mesa dum bar rolam altas conversas
de homem em ruína que se diz cortejado,
entre um copo e outro na goela aperta
o choro de quem se diz tão apaixonado.

Na mesa dum bar rolam altas conversas,
entre um copo e outro na goela aperta
a doce-viva lembrança da mulher amada.

Rolam altas conversas na mesa dum bar,
que entre um copo e outro vêm alimentar
o gesto vil dum trago de quem se acovarda.

domingo, 27 de novembro de 2011

ESTAÇÕES DA VIDA
(Kora Lopes, da APL)

A primavera já se foi
E com ela as flores que murcharam...
O verão também já passou
E não há mais calor
Nem a alegria
Que traz essa estação.
Agarro-me ao outono,
Mas ele vai se soltando
Como as folhas mortas
Caídas pelo chão...
E aí chega o inverno
E vem o frio... a aridez...
A primavera não mais virá,
O verão tampouco.
Até o outono já vai longe
E não mais voltará para mim...
Sobrou somente o inverno,
Frio e sem vida,
Que me acompanhará até o fim!...

domingo, 20 de novembro de 2011

PRECONCEITO
(Joésio Menezes)


Que culpa tenho eu
Se tua pele é branca,
Se minh’alma é franca,
Se o preconceito é teu?

Orgulho tenho eu
Da minha negritude,
Pois essa é uma virtude
Que Deus-Pai me deu.

Que culpa eu posso ter
Se nada fiz pra merecer
De Deus tanto amor?...

Rasga do teu peito
O infame preconceito
Contra minha negra cor!


Uma singela homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

SONETO
(Alphonsus Guimaraens)

Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto,
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.

Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranquilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.

Encontrei-te. Depois... depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?

Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira,
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

BALANÇO DA VIDA
(Vivaldo Bernardes de Almeida)

Os anos se sucedem implacáveis
e trazem, cada um, marco fatal
das pedras da estrada, inevitáveis,
na vida de quem chega ao final.

Final que se aproxima a ferro e fogo,
mostrando a cada um o que já fez
do amor com que nasceu pra este jogo,
pesando o bem e o mal com sensatez.

E a tela da razão nos mostrará
escrito já por nós o que faltou,
no prato que a balança indicará.

E a alma alcançará novos destinos,
cuidando de pagar o que restou
da vida que levou em desatinos.

domingo, 13 de novembro de 2011

EDUCAR A DOR
(Patrícia Ximenes)

Felizes os educadores que educam a dor.
Que fazem de uma necessidade
a oportunidade de crescerem
e evoluírem como humanos,
mostrando àqueles que precisam de mais atenção,
que a vida os considera
tão importantes quanto a todos.

Felizes os educadores que educam a dor.
Que transformam seus alunos especiais
em mais que especiais,
fazendo deles iguais em direitos,
iguais em tratamento,
com um pouco mais de cuidado,
já que também são obras de Deus.

Felizes os educadores que educam a dor.
Que fazem destas,
quando tão transparentes,
motivo de conscientização
e de exclusão de preconceitos,
pois ninguém pede ou até mesmo se enobrece
por precisar tanto de outros.

Felizes os educadores que educam a dor.
Que num passe de mágica
fazem a criança ou o adulto
ainda cheios de esperanças,
pensar que sua única diferença
é serem tão perfeitos a ponto
de todos notarem o que não é defeito.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

SER POETA
(Florbela Espanca)

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!


É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
é condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

SONETO A QUATRO MÃOS
(Vinicius de Morais)

Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

TU E EU
(Luis Fernando Veríssimo)

Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
En não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albônico.
Tu, fão.
Eu, fônico.

És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.

Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo.

domingo, 23 de outubro de 2011

GREVE DE AMOR
(Aurenice Vítor)

Meu coração entrou em greve.
Não quer amar.
Bati piquete do lado de fora
Do seu coração,
Não adianta diminuir meu salário,
Não volto!!!
Não adianta cortar meus dias...
Não volto!!!

Meu coração está em greve,
Está cansado de tudo:
Das noites de insônia,
De pensar em você,
De dar plantão sem remuneração,
De amar sozinho,
De sonhar sozinho,
De querer sozinho...

Meu coração está desistindo
Da vida dura, da falta constante,
Do desejo não realizado.
Meu coração já desistiu
Da sua presença aqui do meu lado.

Meu coração entrou em greve!...

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

CANTIGA PARA NÃO MORRER
(Ferreira Gullar)

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

DIA DAS CRIANÇAS
(Joésio Menezes)

Hoje é dia das crianças,
Não tenho o que comer...
E não mais tenho esperança
De o mundo resolver
Os problemas que a fome
Traz aos que não têm nome
E nem sequer onde morrer.

Hoje é dia das crianças,
Não quero brinquedo não!
Não quero vida mansa
Nem ostentar um brasão.
O que quero nessa vida
É só um prato de comida
Pra alimentar meus irmãos!...

Hoje é dia das crianças
E nada tenho a festejar,
Pois recebi de herança
Alguns irmãos pra cuidar...
E no auge da minha infância
Convivo com a arrogância
Dos que podem nos ajudar.

Hoje é dia das crianças...
Desejo-lhes felicidade,
Que vivam na bonança
Sem qualquer tempestade.
Para mim, quero somente
É ter uma vida decente
E viver com dignidade.

domingo, 9 de outubro de 2011

TUA AUSÊNCIA
(Vivaldo Bernardes)


- à Teresinha -

Parece que foi ontem que partiste,
entanto cinco anos se passaram
e o choro nos meus olhos inda insiste
nos anos transcorridos que te olharam


As lágrimas que choro, copiosas
bem dizem,desta dor que me espanta
e molham teu retrato, dolorosas,
manchando tua imagem que me encanta.

As lágrimas sentidas já me cegam,
saudades com o tempo mais se apegam
e sei que não virás me consolar.

Mas sei que terá fim a tua ausência,
pois sinto o desenlace em iminência,
formando nós um doce e novo lar.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

SEM HOMOFOBIA
(Rosa Pena, www.rosapena.com)

Amarrado num canto
de cabeça para baixo.
Que espanto!
Fitas coloridas enlaçam...
O pedido: Um cabra macho.

Banho de ervas
feitiço pelo cheiro.
Serve qualquer cavalheiro.
Tanto faz bonito ou feio.
No pastel o que vale
é o big recheio.

Ó bendito Antônio!
Olha com simpatia
para essas titias.
Junho foi o seu mês.
Passou com rapidez
As mulheres?
Em jejum.

Será que você virou
padroeiro dos gays?
Droga de armário!
Todo dia sai mais um.
Fêmea virou secundário.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

CORPOS NUS
(Joésio Menezes)


Despe-te do vestido furta-cor
E deixa teu corpo sentir o meu.
Prometo-te despir-me do pudor
E deleitar-me sob o fogo teu.

Permita-me conhecer o furor
Do teu cio, cujo cheiro acendeu
Em mim um fogaréu abrasador,
Capaz de levar-me ao apogeu.

Dá-me o prazer de contigo estar
E permita-me, também, desfrutar
Tudo que ao deleite nos conduz...

E bem no clímax da excitação,
Nossos gemidos se transformarão
Numa ode aos nossos corpos nus.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

BOCA
(Carlos Drummond de Andrade)

Boca: nunca te beijarei.
Boca de outro que ris de mim,
no milímetro que nos separa,
cabem todos os abismos.

Boca: se meu desejo
é impotente para fechar-te,
bem sabes disto, zombas
de minha raiva inútil.

Boca amarga pois impossível,
doce boca (não provarei),
ris sem beijo para mim,
beijas outro com seriedade.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

POEMA
(Victos Hugo)

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar ".

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A MULHER NÃO É FLOR QUE SE CHEIRE
(Henrique Pedro)


A mulher não é ventre,
Nem vagina,
Nem teta,
Nem bunda,
Nem coxa,
Nem flor que se cheire.
Tudo isso é treta!...


A mulher é mãe,
É esposa,
É filha,
Tia,
Irmã,
Amiga,
Amante,
Avó...
Ou só
Cidadã
Solteira.

Sem ela o homem
Nem sequer seria apenas...

A mulher é amor,
É tristeza e dor,
Alegria e penas,
Sonho,
Poesia,
Virgem Maria,

Nem o Homem-Deus sem Ela
Existiria...

Sem a mulher,
O amor,
Se existe,
Não tem seguramente sabor.
E é,
Pela certa,
Monocolor.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

LÁGRIMAS DA VIDA
(Álvares de Azevedo)

Se tu souberas que lembrança amarga
Que pensamento desflorou meus dias,
Oh! tu não creras meu sorrir leviano,
Nem minhas insensatas alegrias!

Quando junto de ti eu sinto, às vezes,
Em doce enleio desvairar-me o siso,
Nos meus olhos incertos sinto lágrimas...
Mas da lágrima em troco eu temo um riso!

O meu peito era um templo - ergui nas aras
Tua imagem que a sombra perfumava...
Mas ah! emurcheceste as minhas flores!
Apagaste a ilusão que o aviventava!

E por te amar, por teu desdém, perdi-me...
Tresnoitei-me nas orgias macilento,
Brindei blasfemo ao vício e da minh'alma
Tentei me suicidar no esquecimento!

Como um corcel abate-se na sombra,
A minha crença agoniza e desespera...
O peito e lira se estalaram juntos...
E morro sem ter tido primavera!

Como o perfume de uma flor aberta
Da manhã entre as nuvens se mistura,
A minh'alma podia em teus amores
Como um anjo de Deus sonhar ventura!

Não peço o teu amor... eu quero apenas
A flor que beijas para a ter no seio...
E teus cabelos respirar medroso...
E a teus joelhos suspirar d'enleio!

E quando eu durmo... e o coração ainda
Procura na ilusão tua lembrança,
Anjo da vida passa nos meus sonhos
E meus lábios orvalha d'esperança!

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

NA SUAVIDADE DO AMOR
(Raquel Alves - Keka)

Quero amanhecer no esconderijo
Dos teus sonhos,
Vaguear na tua sombra aflita,
Ondejar na tua mais profundo
E densa emoção.
E no fulgor dos teus olhos amorosos,
Sentir suas asas me tocarem...
Desabafo com as estrelas
E pergunto ao Universo:
- Onde está a suavidade do Amor?
- Onde está você na imensidão deste silêncio?
Estás no lugar de onde jamais saístes:
Sacramentado em mim,
Por nós dois...
Eternizado em minha pele,
Fincado no meu coração,
Dum Amor humilde, sincero
Alojado em meu coração
Num lugarzinho especial,
Deslizando... e adormecendo eternamente
Na suavidade deste inesquecível Amor!!!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

IMAGENS
(Marcos Alagoas)

Deitado para dar descanso
Ao meu corpo
E repouso ao meu espírito,
Sonhei divinamente
Com algo maravilhoso!
A minha mente se preparava
Para receber
As quatro fases da lua,
Que passaram em meus sonhos
Ora cheia;
Ora minguante e meia;
Ora quarto crescente;
Ora crescente e meia...

Suas cores no trajeto da natureza
Encantavam meus olhos.
Conhecia naquele momento
A aurora celestial
Em tons sentimentais:
Amarelo,
Branco,
Alaranjado...
Para minha surpresa,
A outra parte não se via,
Mas de repente
Surgiam imagens
De crianças com rosas brancas
Em suas mãos,
Soprando suas pétalas.
Um cenário lindo!
De uma sensibilidade!...
Pareciam pombas voando
Livremente no céu,
Formando a paz!

Em meu espírito, sono leve,
Cheio de luzes...
Ouvia-se sons de flautas
Tocando “Jesus, Alegria do Homens”,
De Johann Sebastian Bach.
Uma criança dizia-me:
“Levaremos a paz para humanidade”.
O sopro divino transformou
Aquelas pétalas
Em pombas que voarão
Para sua missão na Terra,
Iluminando o céu com luzes.
E por entre as estrelas,
Uma imagem surgia
E descia lentamente:
Era Jesus voltando ao mundo,
De mãos dadas com os anjos!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

OS DOIS HORIZONTES
(Machado de Assis)

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, - sempre escuro, -
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, - tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.

Que cismas, homem? - Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? - Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.

Dois horizontes fecham nossa vida.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

BAHIA DE TODOS OS SANTOS
(Joésio Menezes)

Bahia, ó Bahia,
O que de nós seria
Sem a tradição do teu carnaval,
Sem a mística do teu afoxé,
Sem o gostinho do teu acarajé,
Sem as flores do teu cacau?

O que de nós seria
Sem Castro Alves na poesia,
Sem o Trio de Armandinho,
Sem as canções de Caetano,
Sem o calor do povo baiano,
Sem as ladeiras do Pelourinho?

Bahia, ó Bahia,
O que de nós seria
Sem a onda do Tropicalismo,
Sem os dotes de Gabriela,
Sem a voz de Daniela,
Sem o teu misticismo?

O que de nós seria
Sem a nostálgica melodia
Do vozeirão de Dorival,
Sem as obras de Jorge Amado,
Sem o dom abençoado
De Bethânia, Gil e Gal?

Bahia, ó Bahia,
O que de nós seria
Não fosse o teu litoral
Por onde chegaram as caravelas,
Livres de sentinelas,
Lideradas por Cabral?

O que de nós seria
Não fosses tu, ó Bahia,
A nossa Mãe Gentil,
A terra de todos os santos,
O berço dos muitos encantos,
A origem do nosso Brasil?

domingo, 4 de setembro de 2011

A ESPERANÇA
(Augusto dos Anjos)

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

sábado, 3 de setembro de 2011

PENSO E PASSO
(Alice Ruiz)

Quando penso
que uma palavra
pode mudar tudo,
não fico mudo.
MUDO.

Quando penso
que um passo
descobre um mundo,
não paro o passo.
PASSO,

e assim que
passo e mudo,
um novo mundo nasce
na palavra que penso.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

SOLIDÃO
(Aíla Sampaio)

Há muito pra esquecer:
paredes retintas
cicatrizadas nas retinas,
a confusão de vozes na varanda
o entra e sai de gente compadecida.
Tantas coisas pra não lembrar
e que insistem em viver
nos destroços da minha memória!

Fosse fácil não ter medo
eu voltaria no tempo
pra pegar a menina que eu fui
e colocá-lo no colo.
Para sempre órfã, ela sabia...
e escondeu-se em si mesma
como se se bastasse...
ninguém a protegeu daquela dor
silenciosa e seca;
ninguém viu sua solidão
fazer-se eterna naquele dia.

domingo, 28 de agosto de 2011

ÁGUA DOCE DO RIO
(Terê Penhabe)

A água do rio é doce
só até chegar no mar,
pois quer queira ou não queira
ele sempre há de chegar.
E ele vem petulante,
certo de que irá adoçar
com sua mansidão de longe
toda a violência do mar.
Ao perceber seu engano
se enfurece e quer voltar,
mas é sempre muito tarde
que a pororoca se dá.
O mar, em contradição,
abre os braços e o recebe
no melhor do coração
como o amor que lhe apetece.
Nessa suave união
corpos se banham felizes
sentindo o sal do mar
e a mansidão do aprendiz.
Que sem ter pra onde ir
aceita seu novo destino
vai entrando com carinho
no gigante tão humilde.
Essa magia tão bela
que ao rio, o mar aquartela
vale a pena conhecer.
Sentir na alma e na pele
a carícia inconfundível
de águas doces que se salgam
deixando então de ser rios.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

DESTINO
(Wilson Gonçalves)

Em uma manhã ensolarada
Uma rosa perfumada
Desabrochou em um jardim.

Uma lagarta asquerosa
Que por lá ia passando
Ao ver a beleza da rosa
A ela disse chorando:

Oh, linda princesa
Coroada de beleza,
Eleita da natureza,
Como invejo sua grandeza!...

Você mora nas alturas,
Não conhece a solidão
Enquanto eu, desgraçada,
Vivo sempre jogada,
Me arrastando pelo chão.

Quem passa por você
Para pra lhe contemplar,
Mas se alguém passar por mim
Pensa logo em me matar

Você cheia de beleza,
É o símbolo do amor...
Eu sou cheia de feiura,
Sou símbolo do horror.

Eu queria saber de Deus
Qual foi o mal que eu fiz
Que me fez tão desgraçada,
Na vida tão infeliz.

Então lá das alturas,
Com um olhar de ternura
A rosa assim respondeu:

Você fala como louca
Que não tem entendimento.
Olha a minha beleza,
Mas não vê meu sofrimento.
Estou presa aqui no chão
E jamais irei andar,
Mas você, com longas asas,
Bem mais alto irá voar.

Sem entender nada a lagarta dali partiu,
Construiu um casulo e dentro dele dormiu.

Pouco tempo depois,
Chorona se despertou
Uma linda borboleta com asas multicor.

Relembrou da velha rosa
E de tudo que falou,
Mas veio o passarinho e a coitada degustou...

Copie essa lição e aprenda a ser feliz
Lá em cima ou lá embaixo
Foi assim que Deus o quis.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

MELODRAMA
(Bruna Lombardi)

Eu sou uma mulher espantada
o amor me molha toda
me deixa com dor nas costas
ele diz no fundo gostas
no fundo ele tem razão

o amor tinha de ser
mais uma contradição
tinha de ser verdadeiro
confuso e biscateiro
como em toda situação

tinha de ter remorso
e um querer e não posso
e toda essa aflição

tinha de me dar pancada
e eu cantar não dói nem nada
com um radinho na mão

tinha de fazer ameça
que é pra poder ter mais graça
como toda relação
tinha de ser dolorido

rasgar um pouco o meu vestido
depois me pedir perdão
e como em todo melodrama
terminar na minha cama
até por falta de opção.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O BURACO DO ESPELHO
(Arnaldo Antunes)

O buraco do espelho está fechado,
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí.

Pro lado de cá não tem acesso,
mesmo que me chamem pelo nome,
mesmo que admitam meu regresso;
toda vez que eu vou a porta some.

A janela some na parede,
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve.

Já tentei dormir a noite inteira.
Quatro, cinco, seis da madrugada...
vou ficar ali nessa cadeira;
uma orelha alerta, outra ligada.

O buraco do espelho está fechado,
agora eu tenho que ficar agora.
Fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A FLOR ESCOLHIDA
(Geralda Maria Vieira)

Era uma flor em desatino,
Pois caiu do galho em que morava
E saiu rolando com o vento
Sem saber qual destino tomava.

Perdeu-se do galho onde cresceu,
E sem saber para onde o vento a levava,
Lembrou-se dos olhares apaixonados
Que a sua beleza tanto encantava.

Mas ela não deixou que fosse interrompida
A vida que por Deus lhe fora doada.
Lutou contra a força do destino
Que a levava ao desatino,
Mesmo sendo ela a flor escolhida
Dos beija-flores em revoada.

Mas ela viu que nem tudo estava acabado
Só porque não estava onde queria ficar.
Viu que a vida nos reserva surpresas,
Por isso, não devemos nos desesperar.
Era ela a flor por Deus escolhida
Para nossas vidas enfeitar.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

NU
(Manuel Bandeira)

Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.

Brilham teus joelhos,
Brilha o teu umbigo,
Brilha toda a tua
Lira abdominal.

Teus exíguos
- Como na rijeza
Do tronco robusto
Dois frutos pequenos –

Brilham.) Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!
Teu dorso! Teus flancos!
Ah, tuas espáduas!

Se nua, teus olhos
Ficam nus também:
Teu olhar, mais longe,
Mais lento, mais líquido.

Então, dentro deles,
Bóio, nado, salto
Baixo num mergulho
Perpendicular.

Baixo até o mais fundo
De teu ser, lá onde
Me sorri tu'alma
Nua, nua, nua...

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

CATANDO BASCUI
(Lília Diniz)


Habita em mim
a singela casa
da minha infância

Na fartura do quintal
o limoeiro traquino
florido sempre
adoçando meus ouvidos
com os cantares diários
do passaredo em festança


O velho sabugueiro
perfuma abril em flores
curando febres
estouradas em cataporas
e alucinações
em labaredas

O telhado de cavacos
pesa sobre o tempo
que insiste não passar

Lamparinas atrepadas
nas paredes de taipa
incandeiam a imensidão
dos meus olhos meninos

Sala
quarto
cozinha
abrigam o quase nada de mim

Mas é lá no terreiro
barrido todo amanhecer
pelas cuidadosas mãos de meu pai
que brinco de catar
restos de sonhos e lembranças

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

AI! SE SÊSSE!...
(Zé da Luz, www.ablc.com.br)

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dois se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cumigo insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

ALEMBRAMENTOS
(Michel Yakini)


Alembro de um tempo
que o mundo
era maior, bem maior
e cabia dentro do nosso abraço.


Alembro do dia
que vi um canarinho
lacribeijando o sol,
lhe dando de beber.

Alembro de cores minhas,
Ausentes,
que por fim
não esbarro mais.

Alembro que eu gostava
de vagar por aí
a ouvirtude
que o silêncio dizia.

Até uma vez,
ainda miúdo,
me ensinaram
que "Alembrar"
é um erro!

depois disso,
tem coisa que não lembro,
mas do resto me alembro de tudo!

domingo, 7 de agosto de 2011

PRIMEIRO
(Efigênia Coutinho)

Neste breve espaço da tua boca
Cabe o desejo mais intenso.
Todo o afeto que sobejo
Está neste beijo que nos toca,
A fundir as almas em ato imenso
Onde nada realmente se compara,
Com este grandioso, tão forte desejo
Que em nosso redor paira.
Desde o primeiro beijo desejado,
Podemos mil beijos acrescentar
Sempre com o mesmo desejo,
Mas nenhum nunca será
Como aquele assim tão esperado,
Mágico, perfeito, o primeiro beijo,
Do qual vai ser guardado na lembrança
Sentindo a mesma emoção,
Dum beijo feito aliança,
A marcar para sempre o coração.

sábado, 6 de agosto de 2011

BELEZA
(Almeida Garrett)

Vem do amor a Beleza,
Como a luz vem da chama.
É lei da natureza:
Queres ser bela? - ama.

Formas de encantar,
Na tela o pincel
As pode pintar;
No bronze o buril
As sabe gravar;
E estátua gentil
Fazer o cinzel
Da pedra mais dura...
Mas Beleza é isso?
Não; só formosura.

Sorrindo entre dores
Ao filho que adora
Inda antes de o ver
- Qual sorri a aurora
Chorando nas flores
Que estão por nascer –
A mãe é a mais bela
das obras de Deus.
Se ela ama! –
O mais puro do fogo dos céus
Lhe ateia essa chama
De luz cristalina:

É a luz divina
Que nunca mudou,
É luz... é a Beleza
Em toda a pureza
Que Deus a criou.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

TODO MUNDO TEM MEDO UMA VEZ NA VIDA
(Francisco Libânio)

Todo mundo tem medo uma vez na vida,
Medo de escuro, medo de ouvir um não,
Medo do fracasso, medo de fazer em vão,
Medo de ter toda a esperança perdida,

Todo mundo chorou ou numa despedida
Ou quando não deu pra segurar a emoção;
Chorou porque o amor sofreu retaliação
Ou porque o medo deu aquela tremida

Eu mesmo perdi as contas dos choros
Ou dos medos que tive sem vergonhas,
Arrependimentos e lamúrias tristonhas,

Fiz dos choros e dos medos meus soros,
Choro ainda? Sim. Tenho medo? Claro!
Mas hoje, eu os uso como meu anteparo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

OITO ANOS
(Cassiane Schmidt)


Hoje acordei ancorada em árvore
Com os lábios salivando antigos frutos
Acordei com oito anos de idade
Nos braços do meu velho mundo!

Os antigos ladrilhos da estrada
Recebiam, resignados, minha alegria
A noite parecia uma dama encantada
Festejando sua vitória sobre o dia


Me vi toda colorida
Com os pés misturados ao chão
O futuro é triste partida
Caminho inevitável de toda direção

Meu coração amanheceu feito varanda aberta
Onde pousam as aves do sul
O horizonte é apenas uma linha reta
Pra quem só enxerga o azul...

As velhas árvores misturavam
Frutas, céu e crianças
Os generosos galhos abrigavam
Em tons verdes a infância...

O velho balanço nasceu em cordas
Acordando antigos ventos
Na vida o que realmente importa
É a eternidade que sobrevive ao momento

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

MORTE DO SONETO
(Raimunda Murta)

Forma fixa, prisioneira de caprichos.
Em ti a arte se reduz,
Não mais que dez mais quatro
Para encerrar sombra e luz.

Linhas decassílabas, e pronto!...
O sentimento em número se transforma.
Tens que caber nessa sequência,
Pois obedeces a uma fixa forma.


És clássica, estás no passado
Com o ourives que te torna
Uma jóia declarada.

Em ânsia de fechar-se em quatro,
Nos limites da forma estagnada,
Morre o soneto... sufocado.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

DEFORMIDADE
(Ludmila Marra)

Eu sou a má formação humana
Sou o feto abortado da virtude
A interrupção, a morte, a tortura do capricho...

Sou o ápice do mal feito,
Sou o sonoro não da beleza,
Sou sim imagem e semelhança do imperfeito.

A feiúra em espécie legitima,
Sou a merecida imagem do castigo,
Sou decepada, mutilada, envenenada...
Sou tudo de feio que nasceu comigo.

Sou o olhar deformado, sofrido,
Com vergonha de ser.
Sou o erro divino,
O rosto sem olhos,
O não, o não, o não
O mais doído,
O dentro da viola,
O pão e o medo de aparecer.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O AMOR
(Vanilson Reis)

O amor é uma ilusão eterna
Que produz angústia
Em nosso peito
Dado como consolação
Aos homens desesperados.

Quando o amor tece sonhos
A gente se completa
Veste a alma com palavras
Amamento o sentimento.

Ninguém vive a ternura do amor
Porque ele não existe
Para sempre.
Ah! Se existisse, meu Deus...
E tudo fosse diferente.

Um dia o mundo mudará
E as pessoas se tornarão
Cativas do amor.
E o homem que não mente
Aclamará suas emoções
Nos olhos da mulher.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

NECESSIDADE
(Andrea Joy)

Necessito da inspiração dos poetas,
De suas vozes discretas
Proferidas por seus corações.

Necessito da paixão dos amantes,
Da sedução do antes,
Da conquista, da insensatez...

Necessito da submissão das mulheres,
De seus pilares, de suas vaidades,
De suas verdades incontestes,
De suas intempéries.

Necessito do lampejo envolto de desejos,
Das gargalhadas escancaradas
De quando estamos apaixonados.

Subitamente, necessito
Colocar você numa redoma de vidro
Para entregar-lhe os fragmentos
De todos os meus sentimentos.

Depois, olharei em seus olhos
E neles verei refletido o brilho
Dessa verdade nítida,
Dessa necessidade louca,
De que você me beije na boca
E faça parte da minha vida.