terça-feira, 30 de novembro de 2010

ARDILOSA CONCHA
(Raimunda Almeida)


Minha alma fechou-se em ardilosa concha,
Isolou-se em oceano, fraca e desnuda,
Afastou-se do comando firme, divinal,
Tornou-se cega, surda e muda.

Definhou em “cabulosa” reclusão,
Perdeu viveza e etéreo esplendor.
Nem vagar pode, pois estava presa
A uma tormentosa existência sem amor.


Mesmo enfraquecida, constatou a tempo
Quanta falta o sublime lhe fazia.
Então abriu devagarzinho a concha
E ouviu uma voz que lhe dizia:

“Alma é luz grandiosa, é estandarte
Medianeiro, ostensivo, revelador
Que nos tira da condição irracional
E nos torna semelhante ao Criador.”

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

BARRIGA
(Mary Anita Pina Marques)

Barriga
Barriga do amor
Barriga, de que me queixo?
Barriga que dá na vista
Barriga depois da briga
Barriga que dá direitos...
Barriga sem preconceitos
Barriga bonita!
Barriga... barrigas.


E quantas há com barriga?
E quantos querem estar na barriga?
E quantas querem estar de barriga?
E quantos rejeitam barriga?

Parir!
Alimentar
Ou ser a espiã do mundo?
De medo chora pra perder
A barriga!
Ou choro ouvir
Ao sair da barriga...

Barriga não há defeito!
Barriga, te curto tanto
que de vida me encanto
e de ti me enfeito!

domingo, 28 de novembro de 2010

NÃO!... NÃO CANTAREI!
(Xiko Mendes)

Não! Eu não cantarei essa Cidade apolítica
Que é controlada por alguns Seres Estúpidos.
Cantarei para quem tem consciência crítica
E vota sempre naqueles que têm escrúpulos!

Não! Não cantarei essa Cidade degradante
De quem manipula politicamente os Pobres.
Mas cantarei hinos de cidadania triunfantes
Enaltecendo nos humildes os valores nobres!


Não! Não cantarei a Cidade dos indiferentes
Cujos interesses míopes destroem a natureza;
Tudo porque em seus instintos deprimentes
Os segredos da vida são expressos em riquezas.

Não! Não cantarei um Município Abstrato
Das promessas impossíveis e sem lógica.
Mas cantarei sonhos realizáveis e imediatos
Dos que combatem as atitudes demagógicas.

Não! Não cantarei essa Cidade dos espertos,
Que enganam o Povo só para ficar no Poder,
Cometendo ilicitudes e outros desvios éticos,
Impedindo a Comunidade de se desenvolver.

Não! Não cantarei hinos de louvor a Demagogo
Porque é pessoa que trata, não cumpre e mente.
Cantarei sempre contra político inescrupuloso,
Que é verme-parasita corroendo a nossa Gente!

sábado, 27 de novembro de 2010

QUANDO ELA FALA
(Machado de Assis)

Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.

Meu coração dolorido
As suas mágoas exala,
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.

Pudesse eu eternamente,
Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.

Minha alma, já semimorta,
Conseguira ao céu alçá-la
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

QUARENTA ANOS
(Mário de Andrade)

A vida é pra mim, está se vendo,
uma felicidade sem repouso;
eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
disso, persisto em me enganar... Eu ouso
dizer que a vida foi o bem precioso
que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo


Seria, agora que a velhice avança,
que me sinto completo e além da sorte,
me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem!... que eu quero amar a morte
com o mesmo engano com que amei a vida.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

NOIVADO ESTRANHO
(Florbela Espanca)


O luar branco, um riso de Jesus,
Inunda a minha rua toda inteira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
A sacudir as pétalas de luz…

A luar é uma lenda de balada
Das que avozinhas contam à lareira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
Que jaz na minha rua desfolhada…


O Luar vem cansado, vem de longe,
Vem casar-se co´a Terra, a feiticeira
Que enlouqueceu d´amor o pobre monge…

O luar empalidece de cansado…
E a noite é uma flor de laranjeira
A perfumar o místico noivado!…

terça-feira, 23 de novembro de 2010

AO ESQUECIMENTO
(Martha Carolina Dávila )

Cansados de inventar palavras,
de dar nome ao silêncio
para afugentar tristezas;
Cansados de olhar ao céu
rogando que chova,
que o água ou o vento
traga um gesto que nos volte a vida;
Cansados de pedir aos mortos
que culminem nossas horas,
que inundem com suas vozes
nosso leito escuro;
Cansados, por fim,
de crer em labirintos,
optamos por deixar
de interrogar esquinas,
por ignorar promessas...
Optamos, afinal, por essa eternidade
que é o esquecimento.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

ÚLTIMA LÁGRIMA
(Fátima Irene Pinto)

Dia haverá que, ao acordar de manhã,
pensarei em outras coisas que não
sejam você;
que não indagarei mais o porquê;
que terei transcendido esta saudade;
que não sentirei por você mais nada,
nem ao menos amizade...

Dia haverá, que não precisarei mais
saber como você tem passado:
se feliz ou triste, se contente ou amuado;
que não perguntarei mais de você
a ninguém, porque pouco me importará
se você estiver passando mal ou bem...

Dia haverá,que não pedirei mais a Deus
que você me escreva, que me ligue,
me procure ou dê sinal de vida;
Que não abrirei mais as cartas na mesa,
no afã de encontrar uma saída;
Que não precisarei mais lhe contar
os detalhes aqui da minha lida...

Dia haverá que você estará banido
da minha mente, do meu destino,
das minhas noites insones;
Que conseguirei olhar as estrelas,
sem chorar e sem gritar seu nome;
Que terei me sobreposto
e dizimado este fadário
na última lágrima,
na última conta do meu rosário.

domingo, 21 de novembro de 2010

REALIDADE
(Adenir Oliveira)


Um rosto na multidão.
Aterrorizado,
Mascarado,
Humilhado...
Escondido na multidão.

Um rosto,
Sobre o rosto,
Do rosto.

Aquele rosto é o seu...
Rosto,
Abatido,
Desfigurado,
Cansado.

Rosto que some...
Que aparece
Na multidão,
Na escuridão,
Na solidão.

Um rosto
Marcado.
Apenas,
Um.

sábado, 20 de novembro de 2010

*APARTHEID
(Joésio Menezes)

Sou filho do apartheid,
O sofrer é meu irmão...
Soweto, sou gueto, sou preto
Vítima da segregação.
Dizem que sou inferior
E por causa da minha cor
Não me estendem a mão.


Não tenho meus direitos
Políticos ou sociais.
E até a própria liberdade
Eu não a tenho mais,
Pois fora de Soweto
Sou gueto, sou preto
Nas páginas policiais.

A violência do apartheid
Noticiada nos jornais
Mobilizou a humanidade
E por isso não sofro mais,
Mas ainda sou do gueto
E me orgulho de ser preto,
Como os meus ancestrais.

Meus filhos hoje sofrem,
Por serem filhos de um “negão”
E netos do apartheid
Que só lhes trouxe humilhação.
Sou preto... sou do gueto,
Mas a eles eu prometo
O fim da segregação.

*Ao DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

OS MEUS LIVROS
(Jorge Luis Borges)

Os meus livros
(que não sabem que existo)
são uma parte de mim,
como este rosto
de têmporas
e olhos já cinzentos
que em vão vou procurando
nos espelhos e que percorro
com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
entendo que as palavras essenciais,
as que me exprimem,
estarão nessas folhas
que não sabem quem sou,
não nas que escrevo.
Mais vale assim.
As vozes desses mortos
dir-me-ão para sempre.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

PELO SILÊNCIO
(Jorge de Lima)

Pelo silêncio que a envolveu, por essa
aparente distância inatingida,
pela disposição de seus cabelos
arremessados sobre a noite escura:

pela imobilidade que começa
a afastá-la talvez da humana vida
provocando-nos o hábito de vê-la
entre estrelas do espaço e da loucura;

pelos pequenos astros e satélites
formando nos cabelos um diadema
a iluminar o seu formoso manto,

vós que julgais extinta Mira-Celi
observai neste mapa o vivo poema
que é a vida oculta dessa eterna infanta.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

PARA A VERTIGEM!
(Raul de Leoni)

Alma em teu delirante desalinho,
Crês que te moves espontaneamente,
Quando és na Vida um simples rodamoinho,
Formado dos encontros da torrente!

Moves-te porque ficas no caminho
Por onde as cousas passam, diariamente:
Não é o Moinho que anda, é a água corrente
Que faz, passando, circular o Moinho...

Por isso, deves sempre conservar-te
Nas confluências do Mundo errante e vário.
Entre forças que vem de toda parte.

Do contrário, serás, no isolamento,
A espiral, cujo giro imaginário
É apenas a Ilusão do Movimento!...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A UM PASSARINHO
(Vinícius de Moraes)

Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.

Deixa-te de histórias
Some-te daqui!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O VOO DA AVE
(Lourdes Silva Maciel)

Voa, bela ave, ao sol e vento...
Corta o tempo e some na amplidão,
Leva contigo, no bailar das asas,
A saudade que me aperta o coração.

Voa... o teu momento é canto,
O teu lema é a liberdade,
Sente o frescor que vem das nuvens,
Esquece o estilingue da maldade.

Teu voo altivo e resoluto
É grito de revolta e de pesares.
Voa, ave, com coragem insana
Atravessa os campos, enxergando os mares.

Voa... veja apenas céu e água,
Barcos perdidos, espumas do mar...
Limpa o teu coração nos ares,
Solta o teu canto e torna a regressar.

Ó minha ave, meu hino,
Tu és para mim lealdade.
Voa na amplidão dos sonhos
Voltando no apelo da saudade!...

domingo, 14 de novembro de 2010

FELICIDADE
(Kora Lopes)

O que é a felicidade?
Onde está que ninguém a vê?
É uma rara preciosidade
Que todos querem ter
Ou apenas uma ilusão,
Nascida no coração
Daqueles pra quem o amor
É a razão da própria vida?

Não sei explicar.
Quero, porém, encontrá-la
E dar-lhe guarida
Porque deve estar escondida
Em algum lugar...

Uma vez que não sei onde se esconde,
Vou esperar
Que ela resolva aparecer,
Queira comigo encontrar-se,
Me dar a mão
E fazer morada em meu coração...

sábado, 13 de novembro de 2010

OS TEUS PÉS
(Pablo Neruda)

Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.

Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.


Tua cintura e teus seios,
a duplicada púrpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010


CLASSIFICADOS
(Joésio Menezes)

Vende-se um coração apaixonado
Com quarenta e nove anos de vida.
Um coração em perfeito estado,
Mas com marcas de uma paixão bandida.

Troca-se um peito regenerado,
Mas com muitos anos de recaída,
Por outro que jamais fora afetado
Pelos males da paixão recolhida.


Procura-se um ombro que seja amigo
E que possa compartilhar comigo
As dores que nos provoca a paixão.

Aluga-se um colo aconchegante,
Que seja confiável o bastante
Para confortar o meu coração...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

EU
(Álvaro Viana)


Eu tenho amor pelo meu tipo feio,
Esguio e magro, muito magro e alto.
Às vezes fico embevecido e creio
Que o meu semblante é de terroso asfalto.

E noite adentro sonho um lago e em meio
Às águas calmas que em meu sonho exalto,
Vejo entre os astros, a mim próprio alheio,
O meu perfil tristonho de pernalto.


Entre os dois céus iguais em que me perco,
De um grande amor pelo meu Ser me cerco
Abrindo as asas deste Ideal que é meu.

E assim perdido na quimera, absorto,
Espera pela paz, depois de morto,
Quem nunca soube para quê nasceu.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ÁRIA AO VIOLÃO
(Alphonsus de Guimaraens Filho)


Que sonâmbula campânula
embala o íncola na insula
campanulando?

Cantagalo cantagálico
no áulico tez gaulesa
cantagalando.

Só, na sombra solitária
estrelinha latejante
é chama, é flor, e madruga
num rio que ri ou geme,
campanulando.

Sobre a memória madura
a cálida, a alva aurora
desce doce se incorpando,
campanulando.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

DO FRUTO DA VIDA
(Talita Prates)

Adeus dará
ao costume quase ritual
do esforço mínimo
de apenas
orar-a-ação,
prescindindo da vida
face à esperança
da promessa
do porvir?

A Deus dará
o paterno fortúnio
de já gozar a vida
- e vida em abundância
no reino
que já é desse mundo,
pois que, Onipotente,
também é Dele
o reino das terras?

Ao Deus-dará,
caminha sobre prados
ora verdejantes, ora secos;
serve-se das águas
ora tranquilas, ora revoltas.
tem o maior presente
dentro de si:
o sopro de vida
- e o fado da liberdade.

Oxalá ouvísseis a voz do Deus:
e porque estreita é a porta,
e apertado o caminho que leva à vida,
e poucos há que a encontrem*.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

ELOGIO DO PECADO ...
(Bruna Lombardi)

Ela é uma mulher que goza
Celestial, sublime.
Isso a torna perigosa
e você não pode nada contra o crime
de ela ser uma mulher que goza.

Você pode persegui-la, ameaçá-la,
tachá-la, matá-la se quiser;
retalhar seu corpo, deixá-lo exposto
pra servir de exemplo.

É inútil. Ela agora pode resistir
ao mais feroz dos tempos,
à ira, ao pior julgamento.
Repare, ela renasce e brota
nova, rosa.

Atravessou a história,
foi queimada viva, acusada;
desceu ao fundo dos infernos
e já não teme nada.
Retorna inteira, maior, mais larga,
absolutamente poderosa...

domingo, 7 de novembro de 2010

SEM LIMITES
(Graciela da Cunha)


Na hora do nosso amor
nem o céu tem limites.
Somos corpo e alma.

Meu corpo responde ao seu
toque suave num delírio de prazer.

Tuas mãos suaves percorrem
meu corpo levando-me a loucura.


Sussurras em minha alma
palavras doce de amor,
entrego-me aos teus apelos
permitindo todos os nossos desejos.

sábado, 6 de novembro de 2010

OPERÁRIO VIAJANTE
(Anabe Lopes)

Eu revejo velhos vídeos
Eu refaço velhas vias
Desvios, desvãos, devaneio
Revivo momentos
Reavivo meus sonhos
Eu ouço o mar... diariamente

Insiste em meu quarto de dormir
um sol brilhante

Eu viajo o universo
a bordo de um verso; transbordo
noites e dias...

Procuro um fazedor de países
Um construtor de edifícios
Tenho barro, tijolo e cimento
Meus olhos são duas fontes
Faltam-me então as mãos do operário!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

PRETO N0 NEGRO
(Jorge Amâncio)

grana preta peste negra
minha preta pérola negra
faixa preta cambio negro

negropreto
musica negra
poesia negra
artista negro

um preto
pretinho basico
pretaporter


pretonegro
negro gato
gato preto
caixa preta
buraco negro

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

CISNES BRANCOS
(Alphonsus de Guimaraens)

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da Montanha onde mora a tarde.

Ó cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.

Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.

Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.

Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob asas,
A alma cheia de ladainhas.

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago da alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...

Quando chegaste, os violoncelos
Que andam no ar cantaram no hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.

Foram-se as brancas horas sem rumo,
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vinda.

Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas...
E anjos disseram: — Não mais acordas,
Lírio nascido nas escarpas!

Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
Com os beijos santos da despedida.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O BURRO
(Patativa do Assaré)


Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.


Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

SE EU FOSSE UM POETA...
(Joésio Menezes)

Se eu fosse um poeta,
Minha vida estaria completa
E minh’alma em alto-astral.
Estaria eu mais confortado,
Pois teria aqui, ao meu lado,
A musa da noite dominical.

Se eu fosse um poeta
Faria uma poesia concreta
No formato de uma estrela-guia
E a colocaria nos braços do vento
Que, mediante juramento,
Somente a Patrícia a entregaria.

Ah! se poeta eu fosse um dia!...
Alguns versos eu escreveria
E os ofereceria a Patrícia Poeta,
Mesmo sabendo que ela poderia
Responder-me, com simpatia:
“Que pena!... Não és poeta!”

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A DUAS FLORES
(Castro Alves)

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bom como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rodas da vida,
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!