VERSO E REVERSO
(Euclides da Cunha)
Bem como o lótus que abre o seio perfumado
Ao doce olhar da estrela esquiva da amplidão
Assim também, um dia, a um doce olhar, domado,
Abri meu coração.
Ah! foi um astro puro e vívido, e fulgente,
Que à noite de minh'alma em luz veio romper
Aquele olhar divino, aquele olhar ardente
De uns olhos de mulher...
Escopro divinal - tecido por auroras -
Bem dentro do meu peito, esplêndido, tombou,
E nele, altas canções e inspirações ardentes
Sublime burilou!
Foi ele que a minh'alma em noite atroz, cingida,
Ergueu do ideal, um dia, ao rútilo clarão.
Foi ele - aquele olhar que à lágrima dorida
Deu-me um berço - a Canção!
Foi ele que ensinou-me as minhas dores frias
Em estrofes ardentes, altivo, transformar!
Foi ele que ensinou-me a ouvir as melodias
Que brilham num olhar...
E são seus puros raios, seus raios róseos, santos
Envoltos sempre e sempre em tão divina cor,
As cordas divinais da lira de meus prantos,
D'harpa da minha dor!
Sim - ele é quem me dá o desespero e a calma,
O ceticismo e a crença, a raiva, o mal e o bem,
Lançou-me muita luz no coração e na alma,
Mas lágrimas também!
É ele que, febril, a espadanar fulgores,
Negreja na minh'alma, imenso, vil, fatal!
É quem me sangra o peito - e me mitiga as dores.
É bálsamo e é punhal.
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