segunda-feira, 5 de novembro de 2012


ALMAS AZUIS
(Mário Feijó)

Traga-me um pedaço de pão
Meu coração tem fome de ti
Por isto sangra e pulsa
E tu és o alimento que me sustenta

Enquanto isto minh’alma
Beija-flores no jardim
Feito borboleta desassossegada
Recém desossada de seu casulo

Se todas as almas fossem vermelhas
Eu até poderia dizer
Que sangravam por amor

Porém existem almas azuis
Que se misturam
Entre o céu e o mar...

E há almas secas
Que rondam desertos onde perambulei
Agora pulso entre rosas vermelhas
E o azul esverdeado do céu/mar...

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

ONTEM, HOJE, SEMPRE... PROFESSOR
(Gérson Alves)

“O tempo não para”,
Já dizia o poeta...
Tem razão!...
O mundo está cada vez
Mais globalizado:
Internet,
Satélites e mais satélites,
Celulares, sons, imagens,
Games, mp3, mp4, mp5, mp6...
Daqui a alguns segundos
Surgirão outras novidades
“E o povo passa fome”,
Canta outro poeta.
E nesse dia especial,
Confesso minha emoção:
Sempre acreditei
- Desde minha infância -
Na magia daquele pó de giz,
No velho quadro negro da escola,
Na caneta que arrepia,
Na enorme lousa branca
Que não consigo apagar
Da memória...
E guardo comigo a esperança
De cada olhar e sorriso
Dos colegas,
Dos pais,
Dos alunos...
E quando estou em casa,
Nos meus momentos
Mais íntimos de oração
Agradeço!
Sei que é minha missão educar!
Sei que é minha missão despertar
Os alunos para a vida.
Mas, sei que não sou máquina,
Por isso, também vou lutar.
Sou ser humano,
Sou de verdade,
Nada virtual!...
Quero viver e morrer com dignidade.
Estou farto de promessas!...
Entra governo, sai governo
E para nós o que sobra é quase nada...


Parabéns, Professor, pelo seu dia!...

quarta-feira, 10 de outubro de 2012


PARODIANDO CAMÕES
(Gasparino José Romão)

Sete meses no balcão Joaquim servia,
Ao Manoel , português lá da Estrela,
Que transava com a mulata Isabela,
Que era a sensação da Padaria.

Nem um dia o português que a protegia,
Viver no dia a dia assim sem vê-la,
Por isso trabalhava ao lado dela,
Distanciado o morruga padecia.

Certo dia o português que, lá no “Caixa”,
Vinha há muito a suspirar em maré baixa,
Botou Joaquim na rua com bravata.

Joaquim, que sempre fora um cabra macho,
Saiu sem dar estrilo, cabisbaixo,
Vingou do Manoel: levou a mulata!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012


DESEJO
(Casimiro de Abreu)

Se eu soubesse que no mundo
Existia um coração,
Que só por mim palpitasse
De amor em terna expansão;
Do peito calara as mágoas,
Bem feliz eu era então!

Se essa mulher fosse linda
Como os anjos lindos são,
Se tivesse quinze anos,
Se fosse rosa em botão,
Se inda brincasse inocente
Descuidosa no gazão;

Se tivesse a tez morena,
Os olhos com expressão,
Negros, negros, que matassem,
Que morressem de paixão,
Impondo sempre tiranos
Um jugo de sedução;

Se as tranças fossem escuras,
 Lá castanhas é que não,
E que caíssem formosas
Ao sopro da viração,
Sobre uns ombros torneados,
Em amável confusão;

Se a fronte pura e serena
Brilhasse d'inspiração,
Se o tronco fosse flexível
Como a rama do chorão,
Se tivesse os lábios rubros,
Pé pequeno e linda mão;

Se a voz fosse harmoniosa
Como d'harpa a vibração,
Suave como a da rola
Que geme na solidão,
Apaixonada e sentida
Como do bardo a canção;

E se o peito lhe ondulasse
Em suave ondulação,
 Ocultando em brancas vestes
Na mais branda comoção
Tesouros de seios virgens,
Dois pomos de tentação;

E se essa mulher formosa
Que me aparece em visão,
Possuísse uma alma ardente,
Fosse de amor um vulcão;
Por ela tudo daria...
— A vida, o céu, a razão! 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO
(Carlos Drummond de Andrade)

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.

Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não. 


sexta-feira, 31 de agosto de 2012


TODAS AS VIDAS
(Cora Coralina)
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera
das obscuras!

terça-feira, 28 de agosto de 2012

OU ISTO OU AQUILO

(Cecília Meireles)

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
 quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

VERSOS ÍNTIMOS

(Augusto dos Anjos)

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!