quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

VOU-ME EMBORA DE PASÁRGADA
(Joésio Menezes)



- ao poeta Manuel Bandeira -
 
Vou-me embora de Pasárgada,
Pois lá, o amigo do rei
Levou a minha amada,
Mas para onde eu não sei!

Vou-me embora de Pasárgada...
Sim!... vou-me embora de Pasárgada
Na esperança de ser mais feliz,
Pois lá, minha desventura
É tão, tão iminente
Que uma louca de nome Joana
Se diz ser única parente
Daquela falsa demente
Que se deixou ser levada.

E como não faço ginástica,
Prefiro andar a pé
A pedalar uma bicicleta
Ou montar num burro brabo...
Ficar em casa vendo TV é melhor,
Pois quando me cansa o juízo,
Deito-me no meu sofá
E fico à espera da empregada,
Que me chega contando histórias
Sobre as idas do seu menino
E da filha da vizinha Rosa
Aos arredores de Pasárgada.

Para mim, Pasárgada perdeu a graça
Desde que roubaram minha paixão.
Lá, não mais é seguro
Ao meu pobre coração,
Mas como não sou pragmático,
Sinto-me bem à vontade
Com suas lindas prostitutas,
Que não se negam a me escutar.

E sempre que a tristeza
Se aninhar no meu pobre peito
Por causa daquela mulher
Que um dia se deixou levar
Pela lábia do amigo do rei,
Pegarei uma das prostitutas
Com quem um dia me deitei
E vou-me embora de Pasárgada.

Planaltina-DF, 23/01/2013

sábado, 22 de dezembro de 2012

HOJE ACORDEI MEIO DIA

{Cassiane Schmidt}

Respirei dois goles de saudade
Fechei as cortinas
Quero mudar de cidade...

Sou avessa à rotina
Não gosto dessa coisa de estar sozinha
Solidão não é plural de gente
Se fosse assim as multidões seriam contentes

Quero um prato de flores
Um vaso de terra
Respirar novos amores
Construir uma casa na primavera

Uma cachoeira e uma lanterna.
Ver a noite desfilando vaga-lumes
O barulho da água feito fechadura
Abrindo portas dessa escura caverna.

Abrir as cortinas
Olhar o calendário sem tristeza
Ver lá fora o que não via
Ser um poema esquecido em cima da mesa...

 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

QUANDO TU CHORAS
(Casimiro de Abreu)
Quando tu choras, meu amor, teu rosto
Brilha formoso com mais doce encanto,
E as leves sombras de infantil desgosto
Tornam mais belo o cristalino pranto.

Oh! nessa idade da paixão lasciva
Como o prazer, é o chorar preciso:
Mas breve passa - qual a chuva estiva -
E quase ao pranto se mistura o riso.

É doce o pranto de gentil donzela,
É sempre belo quando a virgem chora:
- Semelha a rosa pudibunda e bela
Toda banhada do orvalhar da aurora.

Da noite o pranto, que tão pouco dura,
Brilha nas folhas como um rir celeste,
E a mesma gota transparente e pura
Treme na relva que a campina veste.

Depois o sol, como sultão brilhante,
De luz inunda o seu gentil serralho,
E às flores todas - tão feliz amante -
Cioso sorve o matutino orvalho.

Assim, se choras, inda és mais formosa,
Brilha teu rosto com mais doce encanto:
- Serei o sol e tu serás a rosa...
Chora, meu anjo, - beberei teu pranto!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

CANTO-TE

(Ana Hatherly)

Canto-te para que tu
definitivamente existas.
Canto o teu nome
porque só as coisas cantadas
ealmente são e só o nome pronunciado
inicia a mágica corrente.
Canto o teu nome como o homem
fazia eclodir o fogo do atrito das pedras.
Canto o teu nome como o feiticeiro
invoca a magia do remédio.
Canto o teu nome como um animal uiva,
Como os animais pequenos bebem nos regatos
Depois das grandes feras.

Canto-te,
e tu definitivamente existes
nos meus olhos sempre abertos
porque sempre os meus olhos
são os olhos da criança
que nós somos sempre
diante da imensidão do teu espaço.

Canto-te,
e os meus olhos, sempre abertos,
são a pergunta no instante pendente
de eu te interrogar;
e interrogo as coisas em seu ser noturno,
em seu estar sombriamente presentes
na tua claridade obscura.
E como é sempre,
meus olhos abertos perscrutam-te
símbolo de tudo o que me foge
como apertar o ar dentro das mãos
e querer agarrar-te, oh! substância...

Canto-te
para que tu existas
e eu não veja mais nada além de ti

segunda-feira, 5 de novembro de 2012


ALMAS AZUIS
(Mário Feijó)

Traga-me um pedaço de pão
Meu coração tem fome de ti
Por isto sangra e pulsa
E tu és o alimento que me sustenta

Enquanto isto minh’alma
Beija-flores no jardim
Feito borboleta desassossegada
Recém desossada de seu casulo

Se todas as almas fossem vermelhas
Eu até poderia dizer
Que sangravam por amor

Porém existem almas azuis
Que se misturam
Entre o céu e o mar...

E há almas secas
Que rondam desertos onde perambulei
Agora pulso entre rosas vermelhas
E o azul esverdeado do céu/mar...