AMOR E MEDO
(Casimiro
de Abreu)
Quando
eu te vejo e me desvio cauto
Da
luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo
dizes, suspirando amores:
—
"Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
Como
te enganas! meu amor, é chama
Que
se alimenta no voraz segredo,
E
se te fujo é que te adoro louco...
És
bela — eu moço; tens amor, eu — medo...
Tenho
medo de mim, de ti, de tudo,
Da
luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das
folhas secas, do chorar das fontes,
Das
horas longas a correr velozes.
O
véu da noite me atormenta em dores
A
luz da aurora me enternece os seios,
E
ao vento fresco do cair cias tardes,
Eu
me estremece de cruéis receios.
É
que esse vento que na várzea — ao longe,
Do
colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando
um dia tornaria incêndio
A
chama viva que teu riso ateia!
Ai!
se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo
ao raio que a tormenta envia:
Diz:
— que seria da plantinha humilde,
Que
à sombra dela tão feliz crescia?
A
labareda que se enrosca ao tronco
Torrara
a planta qual queimara o galho
E
a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse
embora paternal orvalho!
Ai!
se te visse no calor da sesta,
A
mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado
o teu vestido branco,
Soltos
cabelos nas espáduas nuas! ...
Ai!
se eu te visse, Madalena pura,
Sobre
o veludo reclinada a meio,
Olhos
cerrados na volúpia doce,
Os
braços frouxos — palpitante o seio!...
Ai!
se eu te visse em languidez sublime,
Na
face as rosas virginais do pejo,
Trêmula
a fala, a protestar baixinho...
Vermelha
a boca, soluçando um beijo!...
Diz:
— que seria da pureza de anjo,
Das
vestes alvas, do candor das asas?
Tu
te queimaras, a pisar descalça,
Criança
louca — sobre um chão de brasas!
No
fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio
e sedento na fugaz vertigem,
Vil,
machucara com meu dedo impuro
As
pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro
infame, eu sorveria em beijos
Toda
a inocência que teu lábio encerra,
E
tu serias no lascivo abraço,
Anjo
enlodado nos pauis da terra.
Depois...
desperta no febril delírio,
—
Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu
perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu
te diria: desfolhou-a o vento!...
Oh!
não me chames coração de gelo!
Bem
vês: traí-me no fatal segredo.
Se
de ti fujo é que te adoro e muito!
És
bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
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