segunda-feira, 28 de maio de 2012


DESABAFO
(Vivaldo Bernardes)

Feliz é o beija-flor
que voa e vive beijando
e não sente esta dor
que eu venho suportando:

este desejo ardente
que me consome aos poucos
e me esmaga a mente
com o peso dos mais loucos

instintos próprios do homem
que não se julga eunuco
mesmo que assim o tomem
os velhos e já caducos,

indiferentes e infensos
aos mais ardorosos beijos
quais aqueles mui intensos
excitantes dos desejos.

Contudo, eu vivo preso,
pois não sou um beija-flor
que sufoca o seu desejo
mas não sou santo de andor.

Tenho cá muitos defeitos,
entre eles o maior
é chorar planos desfeitos
depois de tanto suor.

quinta-feira, 24 de maio de 2012


AMOR E MEDO
(Casimiro de Abreu)

Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair cias tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

terça-feira, 22 de maio de 2012


RECEITA
(Nicolas Behr)

Ingredientes:
dois conflitos de gerações
quatro esperanças perdidas
três litros de sangue fervido
cinco sonhos eróticos
duas canções dos beatles

Modo de Preparar:
dissolva os sonhos eróticos
nos três litros de sangue fervido
e deixe gelar seu coração

leve a mistura ao fogo
adicionando dois conflitos
de gerações às esperanças perdidas

corte tudo em pedacinhos
e repita com as canções dos beatles
o mesmo processo usado com os
sonhos eróticos mas desta vez
deixe ferver um pouco mais e
mexa até dissolver

parte do sangue pode ser
substituído por suco de groselha
mas os resultados não serão
os mesmos

sirva o poema simples
ou com ilusões

quinta-feira, 17 de maio de 2012


SONETO AO PÉ DO OUVIDO
(Francisco Libânio)

Ela, naquele dom que é feminino,
Pergunta ao amado se ele a ama,
E ele, óbvio, responde à sua dama
Que sim, o que é claro e cristalino

Eis que ela, a arrancar dele um fino
Ato romântico pede: Pois clama
Ao mundo esse amor! Vai e exclama,
Entoa, trina, espalha, soa qual sino

Ao mundo este amor que tu sentes!
Ele escolhe, pois, palavras envolventes,
Juras de amor e as sussurra ao fundo

Do ouvido dela, que pede o motivo
Do sussurro e ele responde, bem vivo,
Que não há gritar se ela é seu mundo.

sábado, 12 de maio de 2012


PARA SEMPRE
(Carlos Drummond de Andrade)

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

quarta-feira, 9 de maio de 2012


INDAGAÇÕES
(Andréa joy)
 
O que preciso fazer para ter você?
Como devo proceder?
De que jeito tenho que viver?

O passado ainda insiste
Revivo o amor que existe
Nesse coração
que explode de paixão
quando leio os versos seus!

Fala pra mim, vida minha,
Os seus segredos, os seus medos...
Trace para mim os caminhos
que me levarão a você.


Não há mais o que dizer
Amor, paixão, querer
Só uma certeza pulsa
A vontade de ter você!

terça-feira, 8 de maio de 2012

FAREJADO
(Glauco Mattoso)

Bassê no apartamento fuça em tudo!
Passeia pela sala e faz lambança
no pé dos móveis, máximo que alcança
um corpo tão comprido e salsichudo...

Já li de especialistas um estudo
provando que o bassê, mais que a criança,
precisa bagunçar, e só se amansa
com beijo. Então, do meu nunca desgrudo.

Comigo no sofá, também cochila;
só falta, à mesa, usar o mesmo prato;
na cama nossa noite é bem tranquilla.

Estranham que ao cão como gente trato?
Pois saibam que até cocker, collie e fila
me latem dos vizinhos! E eu lhes lato!

sexta-feira, 4 de maio de 2012

MULHER-FLOR
(Vivaldo Bernardes)

Das flores que conheço és tu a mais formosa.
Não peco por dizer, não há outra igual.
Tu supres sem favor a mais altiva rosa,
o odor que tu exalas excede o sensual.

Mulher, tu és a flor! Ó flor, tu és mulher.
Igualam-se em beleza, igualam-se em odor
e fazem ambas de mim o que lhes aprouver,
tirados os espinhos e escondendo a dor.

Entanto, entre as duas se eu escolher pudesse,
ao certo elegeria rainha dentre elas
a mulher carinhosa à hora que eu quisesse.

Carinho é dom de Deus e dado à Mulher,
e feito com primor pra não deixar sequelas
e a flor murcha num dia como uma flor qualquer.