sábado, 31 de julho de 2010

LEVEZA
(Cecília Meireles)

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.
E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.
E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.
E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

COCHICHOS AO MEU CORAÇÃO
(Vivaldo Bernardes)

Chegada a provação só nos resta acatar
os seus duros ensinos, embora tu te negues
a fingir-te insensível à cruel punhalada,
a mais uma, ao certo, a maior desilução.

Medita o destino e segue a pulsar.
Aos golpes que virão jamais tu te entregues.
Lamenta, mas não revides a dor da bofetada
lembrando que este peito abriga um coração.

Um coração que brinda; um coração que chora;
um coração que ama, ainda que ferido;
um coração que esquece as pedradas de fora.

Sê altivo e não peses o que dirão de ti,
desde que o teu brio não seja ofendido,
caso em que tu já sabes o que eu presumi!

Sê sempre o que és, em qualquer ocasião:
tua cor sera rubra e não cambiante.
Controla teus impulsos e vive o instante!!!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

VERSOS TRISTES
(Pablo Neruda)

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo. Isso é tudo.

Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O GÊNIO DA HUMANIDADE
(Tobias Barreto)

Sou eu quem assiste às lutas,
Que dentro d'alma se dão,
Quem sonda todas as grutas
Profundas do coração:
Quis ver dos céus o segredo;
Rebelde, sobre um rochedo
Cravado, fui Prometeu;
Tive sede do infinito,
Gênio, feliz ou maldito,
A Humanidade sou eu.

Ergo o braço, aceno aos ares,
E o céu se azulando vai;
Estendo a mão sobre os mares,
E os mares dizem: passai!...
Satisfazendo ao anelo
Do bom, do grande e do belo,
Todas as formas tomei:
Com Homero fui poeta,
Com Isaías profeta,
Com Alexandre fui rei.

Travei-me em lutas imensas,
Por vezes cansado e nu,
Gritei ao céu: o que pensas?
Ao mar: de que choras tu?
Caminho... e tudo o que faço
Derramo sobre o regaço
Da história, que é minha irmã:
Chamem-me Byron ou Goethe,
Na fronte do meu ginete
Brilha a estrela da manhã.

terça-feira, 27 de julho de 2010

DELÍRIO
(Olavo Bilac)


















Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci....

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A DANÇA DE PSIQUÊ
(Augusto dos Anjos)

A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombara, cedendo à ação de ignotos pesos!

É então que a vaga dos instintos presos
— Mãe de esterilidades e cansaços —
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos.


Subitamente a cerebral coréa
Pára. O cosmos sintético da Idéa
Surge. Emoções extraordinárias sinto...

Arranco do meu crânio as nebulosas.
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto

domingo, 25 de julho de 2010

A VALSA

(Casimiro de Abreu)



Tu, ontem,


Na dança


Que cansa,


Voavas


Co'as faces


Em rosas


Formosas


De vivo,


Lascivo


Carmim;


Na valsa


Tão falsa,


Corrias,


Fugias,


Ardente,


Contente,


Tranqüila,


Serena,


Sem pena


De mim!





Quem dera


Que sintas


As dores


De amores


Que louco


Senti!


Quem dera


Que sintas!...


— Não negues,


Não mintas...


— Eu vi!...





Valsavas:


— Teus belos


Cabelos,


Já soltos,


Revoltos,


Saltavam,


Voavam,


Brincavam


No colo


Que é meu;


E os olhos


Escuros


Tão puros,


Os olhos


Perjuros


Volvias,


Tremias,


Sorrias,


P'ra outro


Não eu!





Quem dera


Que sintas


As dores


De amores


Que louco


Senti!


Quem dera


Que sintas!...


— Não negues,


Não mintas...


— Eu vi!...





Meu Deus!


Eras bela


Donzela,


Valsando,


Sorrindo,


Fugindo,


Qual silfo


Risonho


Que em sonho


Nos vem!


Mas esse


Sorriso


Tão liso


Que tinhas


Nos lábios


De rosa,


Formosa,


Tu davas,


Mandavas


A quem ?!





Quem dera


Que sintas


As dores


De amores


Que louco


Senti!


Quem dera


Que sintas!...


— Não negues,


Não mintas,..


— Eu vi!...





Calado,


Sozinho,


Mesquinho,


Em zelos


Ardendo,


Eu vi-te


Correndo


Tão falsa


Na valsa


Veloz!


Eu triste


Vi tudo!





Mas mudo


Não tive


Nas galas


Das salas,


Nem falas,


Nem cantos,


Nem prantos,


Nem voz!





Quem dera


Que sintas


As dores


De amores


Que louco


Senti!





Quem dera


Que sintas!...


— Não negues


Não mintas...


— Eu vi!





Na valsa


Cansaste;


Ficaste


Prostrada,


Turbada!


Pensavas,


Cismavas,


E estavas


Tão pálida


Então;


Qual pálida


Rosa


Mimosa


No vale


Do vento


Cruento


Batida,


Caída


Sem vida.


No chão!





Quem dera


Que sintas


As dores


De amores


Que louco


Senti!


Quem dera


Que sintas!...


— Não negues,


Não mintas...


Eu vi!