segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O VOO DA AVE
(Lourdes Silva Maciel)

Voa, bela ave, ao sol e vento...
Corta o tempo e some na amplidão,
Leva contigo, no bailar das asas,
A saudade que me aperta o coração.

Voa... o teu momento é canto,
O teu lema é a liberdade,
Sente o frescor que vem das nuvens,
Esquece o estilingue da maldade.

Teu voo altivo e resoluto
É grito de revolta e de pesares.
Voa, ave, com coragem insana
Atravessa os campos, enxergando os mares.

Voa... veja apenas céu e água,
Barcos perdidos, espumas do mar...
Limpa o teu coração nos ares,
Solta o teu canto e torna a regressar.

Ó minha ave, meu hino,
Tu és para mim lealdade.
Voa na amplidão dos sonhos
Voltando no apelo da saudade!...

domingo, 14 de novembro de 2010

FELICIDADE
(Kora Lopes)

O que é a felicidade?
Onde está que ninguém a vê?
É uma rara preciosidade
Que todos querem ter
Ou apenas uma ilusão,
Nascida no coração
Daqueles pra quem o amor
É a razão da própria vida?

Não sei explicar.
Quero, porém, encontrá-la
E dar-lhe guarida
Porque deve estar escondida
Em algum lugar...

Uma vez que não sei onde se esconde,
Vou esperar
Que ela resolva aparecer,
Queira comigo encontrar-se,
Me dar a mão
E fazer morada em meu coração...

sábado, 13 de novembro de 2010

OS TEUS PÉS
(Pablo Neruda)

Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.

Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.


Tua cintura e teus seios,
a duplicada púrpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010


CLASSIFICADOS
(Joésio Menezes)

Vende-se um coração apaixonado
Com quarenta e nove anos de vida.
Um coração em perfeito estado,
Mas com marcas de uma paixão bandida.

Troca-se um peito regenerado,
Mas com muitos anos de recaída,
Por outro que jamais fora afetado
Pelos males da paixão recolhida.


Procura-se um ombro que seja amigo
E que possa compartilhar comigo
As dores que nos provoca a paixão.

Aluga-se um colo aconchegante,
Que seja confiável o bastante
Para confortar o meu coração...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

EU
(Álvaro Viana)


Eu tenho amor pelo meu tipo feio,
Esguio e magro, muito magro e alto.
Às vezes fico embevecido e creio
Que o meu semblante é de terroso asfalto.

E noite adentro sonho um lago e em meio
Às águas calmas que em meu sonho exalto,
Vejo entre os astros, a mim próprio alheio,
O meu perfil tristonho de pernalto.


Entre os dois céus iguais em que me perco,
De um grande amor pelo meu Ser me cerco
Abrindo as asas deste Ideal que é meu.

E assim perdido na quimera, absorto,
Espera pela paz, depois de morto,
Quem nunca soube para quê nasceu.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ÁRIA AO VIOLÃO
(Alphonsus de Guimaraens Filho)


Que sonâmbula campânula
embala o íncola na insula
campanulando?

Cantagalo cantagálico
no áulico tez gaulesa
cantagalando.

Só, na sombra solitária
estrelinha latejante
é chama, é flor, e madruga
num rio que ri ou geme,
campanulando.

Sobre a memória madura
a cálida, a alva aurora
desce doce se incorpando,
campanulando.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

DO FRUTO DA VIDA
(Talita Prates)

Adeus dará
ao costume quase ritual
do esforço mínimo
de apenas
orar-a-ação,
prescindindo da vida
face à esperança
da promessa
do porvir?

A Deus dará
o paterno fortúnio
de já gozar a vida
- e vida em abundância
no reino
que já é desse mundo,
pois que, Onipotente,
também é Dele
o reino das terras?

Ao Deus-dará,
caminha sobre prados
ora verdejantes, ora secos;
serve-se das águas
ora tranquilas, ora revoltas.
tem o maior presente
dentro de si:
o sopro de vida
- e o fado da liberdade.

Oxalá ouvísseis a voz do Deus:
e porque estreita é a porta,
e apertado o caminho que leva à vida,
e poucos há que a encontrem*.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

ELOGIO DO PECADO ...
(Bruna Lombardi)

Ela é uma mulher que goza
Celestial, sublime.
Isso a torna perigosa
e você não pode nada contra o crime
de ela ser uma mulher que goza.

Você pode persegui-la, ameaçá-la,
tachá-la, matá-la se quiser;
retalhar seu corpo, deixá-lo exposto
pra servir de exemplo.

É inútil. Ela agora pode resistir
ao mais feroz dos tempos,
à ira, ao pior julgamento.
Repare, ela renasce e brota
nova, rosa.

Atravessou a história,
foi queimada viva, acusada;
desceu ao fundo dos infernos
e já não teme nada.
Retorna inteira, maior, mais larga,
absolutamente poderosa...

domingo, 7 de novembro de 2010

SEM LIMITES
(Graciela da Cunha)


Na hora do nosso amor
nem o céu tem limites.
Somos corpo e alma.

Meu corpo responde ao seu
toque suave num delírio de prazer.

Tuas mãos suaves percorrem
meu corpo levando-me a loucura.


Sussurras em minha alma
palavras doce de amor,
entrego-me aos teus apelos
permitindo todos os nossos desejos.

sábado, 6 de novembro de 2010

OPERÁRIO VIAJANTE
(Anabe Lopes)

Eu revejo velhos vídeos
Eu refaço velhas vias
Desvios, desvãos, devaneio
Revivo momentos
Reavivo meus sonhos
Eu ouço o mar... diariamente

Insiste em meu quarto de dormir
um sol brilhante

Eu viajo o universo
a bordo de um verso; transbordo
noites e dias...

Procuro um fazedor de países
Um construtor de edifícios
Tenho barro, tijolo e cimento
Meus olhos são duas fontes
Faltam-me então as mãos do operário!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

PRETO N0 NEGRO
(Jorge Amâncio)

grana preta peste negra
minha preta pérola negra
faixa preta cambio negro

negropreto
musica negra
poesia negra
artista negro

um preto
pretinho basico
pretaporter


pretonegro
negro gato
gato preto
caixa preta
buraco negro

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

CISNES BRANCOS
(Alphonsus de Guimaraens)

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da Montanha onde mora a tarde.

Ó cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.

Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.

Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.

Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob asas,
A alma cheia de ladainhas.

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago da alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...

Quando chegaste, os violoncelos
Que andam no ar cantaram no hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.

Foram-se as brancas horas sem rumo,
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vinda.

Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas...
E anjos disseram: — Não mais acordas,
Lírio nascido nas escarpas!

Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
Com os beijos santos da despedida.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O BURRO
(Patativa do Assaré)


Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.


Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

SE EU FOSSE UM POETA...
(Joésio Menezes)

Se eu fosse um poeta,
Minha vida estaria completa
E minh’alma em alto-astral.
Estaria eu mais confortado,
Pois teria aqui, ao meu lado,
A musa da noite dominical.

Se eu fosse um poeta
Faria uma poesia concreta
No formato de uma estrela-guia
E a colocaria nos braços do vento
Que, mediante juramento,
Somente a Patrícia a entregaria.

Ah! se poeta eu fosse um dia!...
Alguns versos eu escreveria
E os ofereceria a Patrícia Poeta,
Mesmo sabendo que ela poderia
Responder-me, com simpatia:
“Que pena!... Não és poeta!”

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A DUAS FLORES
(Castro Alves)

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bom como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rodas da vida,
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!