TODAS
AS VIDAS
Vive
dentro de mim 
uma
cabocla velha 
de
mau-olhado, 
acocorada
ao pé 
do
borralho, 
olhando
para o fogo. 
Benze
quebranto. 
Bota
feitiço... 
Ogum.
Orixá. 
Macumba,
terreiro. 
Ogã,
pai-de-santo... 
Vive
dentro de mim 
a
lavadeira 
do
Rio Vermelho. 
Seu
cheiro gostoso 
d'água
e sabão. 
Rodilha
de pano. 
Trouxa
de roupa, 
pedra
de anil. 
Sua
coroa verde 
de
São-caetano. 
Vive
dentro de mim 
a
mulher cozinheira. 
Pimenta
e cebola. 
Quitute
bem feito. 
Panela
de barro. 
Taipa
de lenha. 
Cozinha
antiga 
toda
pretinha. 
Bem
cacheada de picumã. 
Pedra
pontuda. 
Cumbuco
de coco. 
Pisando
alho-sal. 
Vive
dentro de mim 
a
mulher do povo. 
Bem
proletária. 
Bem
linguaruda, 
desabusada,
sem
preconceitos, 
de
casca-grossa, 
de
chinelinha, 
e
filharada. 
Vive
dentro de mim 
a
mulher roceira. 
-Enxerto
de terra, 
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De
pé no chão. 
Bem
parideira. 
Bem
criadeira. 
Seus
doze filhos, 
Seus
vinte netos. 
Vive
dentro de mim 
a
mulher da vida. 
Minha
irmãzinha... 
tão
desprezada, 
tão
murmurada... 
Fingindo
ser alegre 
seu
triste fado. 
Todas
as vidas 
dentro
de mim:
Na
minha vida – 
a
vida mera 
das
obscuras!



