quinta-feira, 29 de setembro de 2011

BOCA
(Carlos Drummond de Andrade)

Boca: nunca te beijarei.
Boca de outro que ris de mim,
no milímetro que nos separa,
cabem todos os abismos.

Boca: se meu desejo
é impotente para fechar-te,
bem sabes disto, zombas
de minha raiva inútil.

Boca amarga pois impossível,
doce boca (não provarei),
ris sem beijo para mim,
beijas outro com seriedade.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

POEMA
(Victos Hugo)

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar ".

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A MULHER NÃO É FLOR QUE SE CHEIRE
(Henrique Pedro)


A mulher não é ventre,
Nem vagina,
Nem teta,
Nem bunda,
Nem coxa,
Nem flor que se cheire.
Tudo isso é treta!...


A mulher é mãe,
É esposa,
É filha,
Tia,
Irmã,
Amiga,
Amante,
Avó...
Ou só
Cidadã
Solteira.

Sem ela o homem
Nem sequer seria apenas...

A mulher é amor,
É tristeza e dor,
Alegria e penas,
Sonho,
Poesia,
Virgem Maria,

Nem o Homem-Deus sem Ela
Existiria...

Sem a mulher,
O amor,
Se existe,
Não tem seguramente sabor.
E é,
Pela certa,
Monocolor.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

LÁGRIMAS DA VIDA
(Álvares de Azevedo)

Se tu souberas que lembrança amarga
Que pensamento desflorou meus dias,
Oh! tu não creras meu sorrir leviano,
Nem minhas insensatas alegrias!

Quando junto de ti eu sinto, às vezes,
Em doce enleio desvairar-me o siso,
Nos meus olhos incertos sinto lágrimas...
Mas da lágrima em troco eu temo um riso!

O meu peito era um templo - ergui nas aras
Tua imagem que a sombra perfumava...
Mas ah! emurcheceste as minhas flores!
Apagaste a ilusão que o aviventava!

E por te amar, por teu desdém, perdi-me...
Tresnoitei-me nas orgias macilento,
Brindei blasfemo ao vício e da minh'alma
Tentei me suicidar no esquecimento!

Como um corcel abate-se na sombra,
A minha crença agoniza e desespera...
O peito e lira se estalaram juntos...
E morro sem ter tido primavera!

Como o perfume de uma flor aberta
Da manhã entre as nuvens se mistura,
A minh'alma podia em teus amores
Como um anjo de Deus sonhar ventura!

Não peço o teu amor... eu quero apenas
A flor que beijas para a ter no seio...
E teus cabelos respirar medroso...
E a teus joelhos suspirar d'enleio!

E quando eu durmo... e o coração ainda
Procura na ilusão tua lembrança,
Anjo da vida passa nos meus sonhos
E meus lábios orvalha d'esperança!

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

NA SUAVIDADE DO AMOR
(Raquel Alves - Keka)

Quero amanhecer no esconderijo
Dos teus sonhos,
Vaguear na tua sombra aflita,
Ondejar na tua mais profundo
E densa emoção.
E no fulgor dos teus olhos amorosos,
Sentir suas asas me tocarem...
Desabafo com as estrelas
E pergunto ao Universo:
- Onde está a suavidade do Amor?
- Onde está você na imensidão deste silêncio?
Estás no lugar de onde jamais saístes:
Sacramentado em mim,
Por nós dois...
Eternizado em minha pele,
Fincado no meu coração,
Dum Amor humilde, sincero
Alojado em meu coração
Num lugarzinho especial,
Deslizando... e adormecendo eternamente
Na suavidade deste inesquecível Amor!!!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

IMAGENS
(Marcos Alagoas)

Deitado para dar descanso
Ao meu corpo
E repouso ao meu espírito,
Sonhei divinamente
Com algo maravilhoso!
A minha mente se preparava
Para receber
As quatro fases da lua,
Que passaram em meus sonhos
Ora cheia;
Ora minguante e meia;
Ora quarto crescente;
Ora crescente e meia...

Suas cores no trajeto da natureza
Encantavam meus olhos.
Conhecia naquele momento
A aurora celestial
Em tons sentimentais:
Amarelo,
Branco,
Alaranjado...
Para minha surpresa,
A outra parte não se via,
Mas de repente
Surgiam imagens
De crianças com rosas brancas
Em suas mãos,
Soprando suas pétalas.
Um cenário lindo!
De uma sensibilidade!...
Pareciam pombas voando
Livremente no céu,
Formando a paz!

Em meu espírito, sono leve,
Cheio de luzes...
Ouvia-se sons de flautas
Tocando “Jesus, Alegria do Homens”,
De Johann Sebastian Bach.
Uma criança dizia-me:
“Levaremos a paz para humanidade”.
O sopro divino transformou
Aquelas pétalas
Em pombas que voarão
Para sua missão na Terra,
Iluminando o céu com luzes.
E por entre as estrelas,
Uma imagem surgia
E descia lentamente:
Era Jesus voltando ao mundo,
De mãos dadas com os anjos!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

OS DOIS HORIZONTES
(Machado de Assis)

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, - sempre escuro, -
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, - tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.

Que cismas, homem? - Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? - Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.

Dois horizontes fecham nossa vida.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

BAHIA DE TODOS OS SANTOS
(Joésio Menezes)

Bahia, ó Bahia,
O que de nós seria
Sem a tradição do teu carnaval,
Sem a mística do teu afoxé,
Sem o gostinho do teu acarajé,
Sem as flores do teu cacau?

O que de nós seria
Sem Castro Alves na poesia,
Sem o Trio de Armandinho,
Sem as canções de Caetano,
Sem o calor do povo baiano,
Sem as ladeiras do Pelourinho?

Bahia, ó Bahia,
O que de nós seria
Sem a onda do Tropicalismo,
Sem os dotes de Gabriela,
Sem a voz de Daniela,
Sem o teu misticismo?

O que de nós seria
Sem a nostálgica melodia
Do vozeirão de Dorival,
Sem as obras de Jorge Amado,
Sem o dom abençoado
De Bethânia, Gil e Gal?

Bahia, ó Bahia,
O que de nós seria
Não fosse o teu litoral
Por onde chegaram as caravelas,
Livres de sentinelas,
Lideradas por Cabral?

O que de nós seria
Não fosses tu, ó Bahia,
A nossa Mãe Gentil,
A terra de todos os santos,
O berço dos muitos encantos,
A origem do nosso Brasil?

domingo, 4 de setembro de 2011

A ESPERANÇA
(Augusto dos Anjos)

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

sábado, 3 de setembro de 2011

PENSO E PASSO
(Alice Ruiz)

Quando penso
que uma palavra
pode mudar tudo,
não fico mudo.
MUDO.

Quando penso
que um passo
descobre um mundo,
não paro o passo.
PASSO,

e assim que
passo e mudo,
um novo mundo nasce
na palavra que penso.